“Toda a literatura é assunto de letras paradas fazerem ou não as coisas do mundo moverem-se.
(…)
Mas agir é diferente. Agir envolve alfabetos fisiológicos, construções gramaticais, humanas, e não só, que estabelecem ligações matemáticas e respiratórias entre, por exemplo, a necessidade de um organismo se alimentar e os projectos que a cabeça de um homem pode ter.
(…)
as únicas acções existentes na escrita são o escrever e o apagar. Se eu escrever agora ele corre, a única acção que existiu nesta frase foi a acção de escrever: agora ele corre.
(…)
Toda a escrita, pelo menos a decente, ou seja: a magnífica, toda a escrita instala, é certo, uma promessa de movimento, de acção.
(…)
Mas se existem dois pontos é porque existe uma distância entre eles que permite a distinção. E uma promessa de vida imediatamente a seguir concretizada - como sucede na grande literatura - é ainda um ponto que se sabe separado do Grande Ponto: isto é: da vida clássica, do sítio onde os nomes não existem, mas existe a morte, a doença, o acidente absolutamente bruto que pode levar em definitivo aquele com quem hoje queríamos conversar sobre algo inútil.”
Gonçalo M. Tavares
A colher de Samuel Beckett Ed. Campo das Letras
No comments:
Post a Comment