1. Uma voz roufenha e metalizada chama no centro de saúde "sr. Coelho, gabinete 1". Da turba desesperada mas conformada pelos estofos vermelhos de má qualidade que forram as cadeiras toscas, da turba desesperada mas embebida na logorreia da pequena televisão mal sintonizada, levanta-se um senhor de idade, cambaleante, coxo, pesado. Acho que a língua portuguesa permite uma maior panóplia de apelidos, e não me parece justo atacar assim, levianamente, escusadamente, a identidade dos animais, que afinal de contas, também têm direitos.
2. Ele está sentado no degrau, mas as suas calças cinzentas interrompem o azul e branco da calçada do passeio, o que por sua vez obriga os transeuntes não daltónicos a interromper, irremediavelmente ou não, os seus passos de quotidianeidade . Terá as pernas quentes de mais para este dia de verão tardio, o que não parece explicar por si as rugas, a preocupação das mãos pendentes no regaço. Olho. Um rosto triste, triste de mais para um dia de verão, triste demais para um homem só. Um boné branco, descuidado, esconde-lhe a inclinação resignada da cabeça, um boné que tem estampado "dá-lhe gás".
Wednesday, September 12, 2007
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1 comment:
Um transeunte não daltónico... parece ser uma coisa bonita de se ser...
Soa bem... saber a cor da solidão...
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