Tuesday, September 18, 2007

Agora tem uma expressão indiferente, distraída, como a dos passageiros obrigados a esperar muito tempo pelo comboio. Diz-lhe. Um dia faço qualquer coisa.

. um dia faço qualquer coisa

. um dia faz-se de qualquer coisa

. um dia desfaz-se por qualquer coisa

. um dia de qualquer coisa .como. qualquer coisa de um dia

Não tem paciência nem tempo para arranjar o cabelo, mete desajeitadamente as mechas soltas para trás e vai-se embora.

Parfois


Parfois je mets
sécher mes mots

par plaisir

sur le moustache de Dalí


Ready-Made a partir de "Parfois Je Cherche Par Plaisir Sur Le Portrait De Ma Mère", de Salvador Dalí

Wednesday, September 12, 2007

pequenos apontamentos de ironia na rua

1. Uma voz roufenha e metalizada chama no centro de saúde "sr. Coelho, gabinete 1". Da turba desesperada mas conformada pelos estofos vermelhos de má qualidade que forram as cadeiras toscas, da turba desesperada mas embebida na logorreia da pequena televisão mal sintonizada, levanta-se um senhor de idade, cambaleante, coxo, pesado. Acho que a língua portuguesa permite uma maior panóplia de apelidos, e não me parece justo atacar assim, levianamente, escusadamente, a identidade dos animais, que afinal de contas, também têm direitos.

2. Ele está sentado no degrau, mas as suas calças cinzentas interrompem o azul e branco da calçada do passeio, o que por sua vez obriga os transeuntes não daltónicos a interromper, irremediavelmente ou não, os seus passos de quotidianeidade . Terá as pernas quentes de mais para este dia de verão tardio, o que não parece explicar por si as rugas, a preocupação das mãos pendentes no regaço. Olho. Um rosto triste, triste de mais para um dia de verão, triste demais para um homem só. Um boné branco, descuidado, esconde-lhe a inclinação resignada da cabeça, um boné que tem estampado "dá-lhe gás".

Tuesday, September 11, 2007

A propósito do 11 de Setembro ou os mortos que não figuram no jornal

O desabamento das Torres Gémeas ficará para sempre gravado na nossa memória: o grande ícone americano em chamas, a ruir, pessoas a atirarem-se dos edifícios, o desespero de todos e de todas, as cinzas... E esta memória global do 11 de setembro é possível pela imensa cobertura mediática do acontecimento. o "11 de Setembro" foi um dia. Como nomear a chacina, activa e passiva, de milhões de pessoas por todo o mundo, todos os dias? Com a Guerra do Vietname cria-se uma "tele-intimidade" com a morte, e a destruição; e o nosso conhecimento das guerras passa a ser um produto do impacto das imagens (paradas ou em movimento) que nos chegam através dos media. Mas nem todas as guerras a acontecer ou acontecidas têm o mesmo "direito de imagem", é preciso que seja uma guerra excepcional. E esta foi uma excepção. Hoje evocam-se as vítimas do 11 de setembro, as "vítimas inocentes do terrorismo". A propósito do 11 de Setembro, eu evoco as outras vítimas, aquelas de quem não se nomeia o carrasco, os mortos que não figuram no jornal.

Saturday, September 08, 2007

Setembro

vésperas da partida
.para o azul

os fins-de-tudo

são

os começos-de-alguma-coisa

mais ou menos

.azul

Friday, August 31, 2007

derivação a partir do poeta mário saa

por cima

dos gestos

abóbadas de obsessões de língua fria

terminam

no delíquio da cabeça a desmoronar-se em fieiras de orquídeas

por cima dos gestos

os gestos

molhados por dentro

gelhas de arrependimentos aquáticos

torturados como um vime pelo gosto do desfazer e o amor latente, cor de medronhos.

, vá de estalar.

os gestos

espargidos

na mesa de tinta vermelha

depois de descascados são caroços de granito

que se deitam à terra

esperando uma liturgia de rosas

para dizer -

“dá-me um dilúvio de fábulas

onde possa atear um batel de pergaminhos”

por cima

dos gestos

longinquamente algum país sombrio

de capital rouca e bigodes orvalhados

por cima dos gestos

os gestos

habitados por anjos de mosto com colares de musgo

a acenar num enorme balão veneziano

vêm de longe transbordar em linha d’ânforas

, vinte anos depois, como no cinema.

Sunday, August 12, 2007

"dizem que as flores fazem bem"

to not-do list

- não casar antes de as desigualdades de género serem erradicadas
- não procriar antes de haver paz na Terra bem como protocolos anti-poluição assinados por todos os países
- não comer chocolates sem ter dinheiro para fazer uma lipoaspiração
- não viajar sem boa música

-não escrever listas estúpidas e worthless

Friday, August 03, 2007

To put a little bit of sunshine in your life
Soleil all over you
warm sun pours over me
Soleil all over you
Warm sun

photo by: Cindy Sherman
lyric by: badly drawn boy

Thursday, August 02, 2007

And I find myself knowing the things that I knew
Which is all that you can know on this side of the blue


(...)

And the rest of our lives will the moments accrue
When the shape of their goneness will flare up anew
Then we do what we have to do(-re-loo-re-loo)

Which is all that you can do on this side of the blue

lyric by joanna newson

Wednesday, August 01, 2007

hoje

hoje:

as pequenas coisas simples

que eram até hoje

simples pequenas coisas

somente

simples coisas pequenas

ou, quando muito,

pequenas simples coisas

em tornam se em

hoje

tornam-se

hoje:

grandes e complicadas
complicadas e enormes
enormes e complicadíssimas
complicadíssimas e
possivelmente verdes.

porém, todavia, contudo

não deixaram de ser.


coisas.

hoje.



photo by: Francesca woodman

Monday, July 30, 2007

viagens


despojados os pés pejados
nós os pés nus
.partimos assim partimos.

sob o sol-rosa dos dias de antemão
sobre o solo-cinza dos dias de contrário
.partimos assim partimos.

depois do pó

.ficamos.

pedúnculos
"se uma pessoa, para gostar de outra, estivesse à espera de conhecê-la, não lhe chegaria a vida inteira. Duvidas que duas pessoas possam conhecer-se (...), que é conhecer, Não sei, e contudo podes amar. Posso amar-te, sem me conheceres, Assim parece."

José Saramago in A Jangada de Pedra

Monday, July 23, 2007

Derrida e ToyStory


o virtual tem um poder performativo
ou
"para o infinito... e mais além!"


“(…) Buzz opera num mundo virtual, mas isso não faz com que as coisas deixem de acontecer – pelo contrário. Nós sabemos que Buzz não pertence a uma aliança intergaláctica (…) mas o facto de ele acreditar nisso (…) produz muitas acções e eventos (…) no mundo actual”.O virtual tem o poder de produzir acontecimentos. Como Derrida chama, a actuavirtualidade – o actual virtual – faz com que coisas aconteçam. É, pois, esse o sentido de fazer uma política do virtual: esta tem um poder performativo, esta permitirá que certos acontecimentos tenham lugar.

in
A Derrida Dictionary, Niall Lucy


Wednesday, July 18, 2007

while you are waiting


imagem roubada em http://aixstory.deviantart.com/

Friday, June 29, 2007

Aviso

estas férias vão de blogue

vão de escada

escalada em vão

dias em caliças

Wednesday, June 13, 2007

Um solzinho pequenino

Monday, June 04, 2007

desabafo a seis tempos

seis meses, meio ano
sento-me na grande mesa da vida e olho para o copo do tempo: meio cheio ou meio vazio?
não sei se chove lá fora.
sei que não aprendi a falar nenhuma nova língua
nem me tornei uma pessoa melhor
nem li o que podia
fortizzimo, ma non troppo